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Ser mulher: Identificada e definida

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“Empoderada”. “Vagabunda”. “Conservadora”. “Freira”. “Feminista”. Se você é uma mulher no século XXI, muito provavelmente você já foi rotulada. Ou já se sentiu rotulada. Dentro e fora das Igrejas, vemos pessoas falando sobre mulheres, sem saber ao certo que rótulo usar, quais argumentos usar para defendê-lo ou ainda, se você for a mulher, com qual rótulo se identificar e definir. No fim, não sabemos bem quem devemos ser. Olhamos as capas das revistas e queremos ser a modelo alta e magra, a secretária bem paga do New York Times, a garota tímida que vai ser achada por um príncipe num cavalo branco e ainda, uma cristã bem polida e de destaque na Igreja. As revistas oferecem o modelo de mulher empoderada inatingível que queremos ser. Ao mesmo tempo, parece que a Igreja nos oferece apenas os famosos: “não seja feminista” e “se vista com decência”.

Olhando para tudo isto, debruço-me sobre a minha mesa, ando pelos corredores da minha casa e surto. Muitas perguntas me inquietam: O que é ser mulher? O que Deus quer de nós? Será que o chamado divino para cada uma de nós, de fato se resume a “não seja feminista” e “se vista com decência”?

A mulher que Deus fez

Ao ponderarmos acerca do que é ser mulher e da finalidade para a qual fomos chamadas, não podemos escapar dos textos de Gênesis 1 e 2, que mostram o início da criação e promovem a explicação de como as coisas surgiram e para que elas surgiram. Quando nos detemos para olhar a criação da humanidade em Gênesis 1:26-31, podemos ver que “Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”, apontando para o primeiro traço essencial da mulher que Deus fez:  Deus criou a mulher à sua imagem e semelhança. Ao colocar homem e mulher lado a lado neste trecho, a Bíblia nos mostra que Deus criou homem e mulher sob um mesmo fundamento: sua própria imagem. Isto significa, portanto, que ambos possuem o mesmo valor diante de Deus, o mesmo nível de dignidade.

Isso quer dizer que ambos são iguais?

Em dignidade e valor, sim. Em exercício de papéis… vamos ver isto mais para frente.O fato é que, logo após afirmar sob qual alicerce homem e mulher foram criados, Deus dá, em Sua palavra, o chamado para homem e mulher nos versos 28-30:

“Deus os abençoou, e lhes disse: ‘Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra!’. Disse Deus: ‘Eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda a terra e produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes. Elas servirão de alimento para vocês. E dou todos os vegetais como alimento a tudo o que tem em si fôlego de vida: a todos os grandes animais da terra, a todas as aves do céu e a todas as criaturas que se movem rente ao chão’. E assim foi.”

É interessante notar neste chamado o plural dos termos: “Deus os abençoou”, “Sejam férteis e multipliquem-se!”, “Encham e subjuguem a terra”, “Dominem sobre…”, “Eis que lhes dou…”. Este chamado feito no capítulo 1 de Gênesis não se aplica apenas ao homem, mas a ambos – homem e mulher. Pode-se ver, portanto, que o chamado efetuado por Deus para o homem e para a mulher se coloca em três domínios: a) sejam férteis e multipliquem-se; b) encham e subjuguem; c) dominem sobre.  Assim, homem e mulher foram chamados para espelhar e espalhar a glória de Deus sobre a terra, exercendo domínio e autoridade sob a criação.

Mas, calma, vamos por partes.

Primeiro, Deus criou homem e mulher à sua imagem e semelhança. Ou seja, Ele os fez como espelhos de Si mesmo. Assim, o primeiro dever de ambos era espelhar a glória de Deus.  Depois, os primeiros imperativos dados ao casal foram “sejam férteis e multipliquem-se” – em outras palavras: peguem a Minha imagem que está em vocês e a reproduza, espalhando seres que são a Minha imagem e semelhança pela terra. Assim, homem e mulher foram chamados para espelhar e espalhar a glória de Deus.

A seguir, eles foram chamados para “encherem”, “subjugarem” e “dominarem” sobre a terra. A tarefa dada ao homem e à mulher era a de serem mordomos da criação que Deus fizera. Deus explica esta tarefa no momento em que afirma, no verso 29-30, que todas as plantas seriam dadas a eles e aos demais animais para lhes servir de alimento. Vê-se, portanto, que homem e mulher foram chamados para “subjugarem” e “dominarem” sobre os animais, podendo desfrutar, junto deles, das plantas como comida. Isto dá a entender que o homem e a mulher eram responsáveis por cuidar dos animais e desfrutar das árvores do jardim junto com eles.

Desta forma, podemos ver que a mulher que Deus fez foi criada à sua imagem e semelhança, foi chamada para espelhar e espalhar a glória de Deus, foi chamada para subjugar e dominar os animais, sendo mordoma de tudo que Deus criara, juntamente com o homem. Até aqui, não há distinção entre o chamado feminino e o chamado masculino, mas há uma unidade e parceria no serviço que deveria ser feito e no chamado que fora dado. A distinção entre o chamado advém em Gênesis 2:15 e 18.

Em Gênesis 2:15, pode-se ver o papel específico do homem: “O Senhor colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo”, enquanto em Gênesis 2:18, pode-se ver o papel específico da mulher: “Então, o Senhor Deus declarou: ‘Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda’.” Em outras versões, talvez até mais conhecidas, o termo usado é “auxiliadora idônea”. E é geralmente aqui que a porca torce o rabo.

Auxiliadora idônea

O que é “auxiliadora idônea”? O que isso quer dizer? Quando olhamos para a Bíblia, podemos ver que a palavra usada por Deus no original para designar o papel da mulher é “ezer”. Esta palavra é usada no Antigo Testamento em outros trechos; vamos examiná-los antes de entrarmos mais afundo no que o termo “auxiliadora idônea” quer dizer. A tabela abaixo se coloca com um apanhado de referências e textos que usam o termo “ezer” achados em minha pesquisa. As palavras grifadas se referem ao termo correspondente no trecho em questão na nossa língua.

Referências Textos
Gênesis 2:18 Então o Senhor Deus declarou: “Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda”.
Êxodo 18:4 e o outro chamava-se Eliézer, pois dissera: “O Deus de meu pai foi o meu ajudador; livrou-me da espada do faraó”
Deuteronômio 33:7 E disse a respeito de Judá: “Ouve, ó Senhor, o grito de Judá; traze-o para o seu povo. Que as suas próprias mãos sejam suficientes, e que haja auxílio contra os seus adversários! ” (que o Senhor lhe seja auxílio contra os seus adversários)
Deuteronômio 33:26 Não há ninguém como o Deus de Jesurum, que cavalga os céus para ajudá-lo, e cavalga as nuvens em sua majestade!
Deuteronômio 33:29 Como você é feliz, Israel! Quem é como você, povo salvo pelo Senhor? Ele é o seu abrigo, o seu ajudador e a sua espada gloriosa. Os seus inimigos se encolherão diante de você, mas você pisará os seus altos.
Salmo 20:1 Que o Senhor te responda no tempo da angústia; o nome do Deus de Jacó te proteja!
Salmo 33:20 Nossa esperança está no Senhor; ele é o nosso auxílio e a nossa proteção.
Salmo 70:5 Quanto a mim, sou pobre e necessitado; apressa-te, ó Deus. Tu és o meu socorro e o meu libertador; Senhor, não te demores!
Salmo 89:19 Numa visão falaste um dia, e aos teus fiéis disseste: “Cobri de forças um guerreiro, exaltei um homem escolhido dentre o povo.
Salmo 115:9-11 9 Confie no Senhor, ó Israel! Ele é o seu socorro e o seu escudo.  10 Confiem no Senhor, sacerdotes! Ele é o seu socorro e o seu escudo.  11 Vocês que temem ao Senhor, confiem no Senhor! Ele é o seu socorro e o seu escudo.
Salmo 121:1-2 1 Levanto os meus olhos para os montes e pergunto: De onde me vem o socorro? 2 O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra.
Salmo 124:8 O nosso socorro está no nome do Senhor, que fez os céus e a terra
Salmo 146:5 Como é feliz aquele cujo auxílio é o Deus de Jacó, cuja esperança está no Senhor, no seu Deus
Isaías 30:5 todos se envergonharão por causa de um povo que lhes é inútil, que não traz ajuda nem vantagem, mas apenas vergonha e zombaria.”
Ezequiel 12:14 Espalharei aos ventos todos os que estão ao seu redor, os seus oficiais e todas as suas tropas, e os perseguirei com a espada em punho.
Daniel 11:34 Quando caírem, receberão uma pequena ajuda, e muitos que não são sinceros se juntarão a eles
Oséias 13:9 Você foi destruído, ó Israel, porque está contra mim, contra o seu ajudador.
Tabela 1: Uso da palavra “ezer” em trechos do Antigo Testamento

A exceção de Gênesis 2:18, Isaías 30:5 e Ezequiel 12:14, os demais trechos destacados se referem ao Senhor como sendo o “ezer” de seu povo. Ele é o “ajudador”, o “auxílio”, o “socorro”. Deste modo, quando Deus cria a mulher como auxiliadora idônea do homem, Ele não olha para a necessidade do homem e cria a mulher para suprir uma carência masculina[1]; antes, Ele olha para si mesmo e cria a mulher à sua imagem e semelhança, designando-a para ser auxílio e ajuda como Ele mesmo o é.[2]

O termo auxiliadora idônea pode ser melhor entendido ao se observar a diferença entre os métodos que Deus usou para criar o homem e, depois, a mulher. Enquanto Gênesis 2:7 nos esclarece que Deus fez o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da vida, Gênesis 2:21-22 mostra que a mulher foi formada da costela do homem. O termo “auxiliadora idônea” é usado no trecho diretamente anterior (confira 2:18) ao trecho que mostra como Deus criou a mulher. Penso que tanto a fala de Deus quanto o que Ele fez se alinham: a mulher foi feita do lado do homem para exercer a função de estar do seu lado e ajudá-lo.

“Certo”, você pode dizer. “Você me explicou seu papel como auxiliadora. Mas o que significa idônea?”, você poderia perguntar. O termo que a NVI traz nos ajuda a entender melhor o que o termo “idônea” significa. A NVI afirma: “Então o Senhor Deus declarou: ‘Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda’.” Assim, a mulher é “idônea” por ser, como o homem, um ser criado à imagem e semelhança de Deus e relacional, que poderia corresponder ao homem em um relacionamento equilibrado e digno.

Ademais, o dicionário também nos ajuda ao nos oferecer três concepções acerca da palavra idônea, que são: 1) que é apropriado para alguma coisa – adequado, conveniente; 2) que têm condições, competências, habilitações ou conhecimentos necessários para desempenhar determinado cargo ou determinada tarefa – apto, capaz, competente, habilitado; 3) que é moralmente correto – honesto, íntegro. Como “auxiliadora idônea”, a mulher foi criada com a aptidão para auxiliar, sendo a pessoa apropriada para esta tarefa designada por Deus; criada à imagem e semelhança, ela foi designada como uma auxiliadora com alto padrão moral, sendo um ser santo, embora corruptível, antes da queda.

Mais uma coisinha que Gênesis fala sobre a mulher

Há mais um trecho que nos ajuda a entender quem somos e para que fomos chamadas. Gênesis 3, o relato da queda. Quando Deus amaldiçoa a serpente, a mulher e o homem pela desobediência dos seres humanos, Deus ressalta, no caso da maldição do homem e da mulher, os seus respectivos chamados. Acredito que isto fique mais evidente no chamado masculino, então vamos começar dando uma olhada mais de perto para a maldição que Deus lançou sobre o homem e, depois, vamos olhar para aquilo que Deus diz a respeito da mulher.

Em Gênesis 3:17-19, diz:

“E ao homem declarou: “Visto que você deu ouvidos à sua mulher e comeu do fruto da árvore da qual eu lhe ordenara que não comesse, maldita é a terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua vida. Ela lhe dará espinhos e ervas daninhas, e você terá que alimentar-se das plantas do campo. Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará”.

Para entendermos esta maldição, precisamos voltar ao chamado masculino em Gênesis 2:15. Deus colocou o homem no jardim com o objetivo de que ele cuidasse do jardim e o guardasse. O chamado do homem sob a criação, mesmo diante da queda, continua o mesmo – espelhar e espalhar, subjugar e dominar, cultivar e guardar. Deus não revoga o seu chamado. Entretanto, tendo em vista a entrada do pecado no mundo, as criaturas que seriam à imagem e semelhança de Deus ganharam um aspecto distorcido, podendo, consequentemente, apenas produzir imagens distorcidas de Deus; não haveria mais espelhos perfeitos, de modo que a missão de espelhar e espalhar se mantinha, mas agora, com a mancha do pecado.

De forma semelhante, tanto homem, quanto mulher ainda tinham o chamado de subjugar e dominar; agora, entretanto, sem a relação harmônica e pacífica que havia no jardim. Para exercer a mordomia da criação dada por Deus, o homem teria de fazê-lo com o suor do seu rosto e, em matéria de cultivar e guardar, ele ainda o continuaria fazendo, mas fora do jardim e a duras penas.

Podemos ver, pela forma como Deus amaldiçoou o homem, que Ele não revogou o seu chamado. Deus aponta, pela afirmação da maldição que, por culpa do pecado, o mesmo chamado dado por Deus continuaria sendo exercido, mas agora de maneira mais difícil. Acontece a mesma coisa com o chamado feminino. Quando Deus diz, em Gênesis 3:16: “Seu desejo será para o seu marido, e ele a dominará”, Deus reafirma o papel de “ezer” da mulher, mas aponta que, por conta do pecado, o exercício deste papel seria bem mais complicado. E, se olharmos para todo o verso 16, podemos ver aquele pequeno detalhe a mais que Gênesis 3 nos mostra sobre o chamado feminino. Na íntegra, Gênesis 3:16, diz: “Multiplicarei grandemente o seu sofrimento na gravidez; com sofrimento você dará à luz filhos. Seu desejo será para o seu marido, e ele a dominará”.

Se a maldição elucidada por Deus diante do pecado não revoga os chamados masculino e feminino, mas, antes, apresenta as dificuldades que seriam enfrentadas para exercê-los daquele em momento em diante, podemos ver que a mulher é chamada para missão de mãe.  Claro que isto fica subentendido pelo chamado de “espelhar e espalhar”, mas aqui, o chamado fica claro. Este chamado fica ainda mais claro mediante o que é dito no verso anterior, quando Deus amaldiçoa a serpente: “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar”. O chamado feminino de dar luz à filhos é ressaltado mediante a promessa de um Salvador futuro, que viria ao mundo quando uma mulher se colocasse à disposição do Senhor para cumprir o chamado feminino que fora dado no jardim.

Então…

Ao voltarmos para Gênesis 1, 2 e 3, podemos olhar com calma para quem verdadeiramente fomos criadas para ser. Fomos criadas para sermos mulheres de mesmo valor e dignidade que os homens. Criadas à imagem e semelhança de um Deus auxiliador e ajudador. Fomos criadas para, juntamente com os homens e não acima deles, espelharmos e espalharmos a glória de Deus, dominarmos e subjugarmos a criação como mordomas fiéis. Assim como também fomos chamadas para exercermos papel de auxílio na família e fomos chamadas para o privilégio e a responsabilidade de sermos mães, se Deus assim der a oportunidade.

Claro. Ainda ficam muitas e muitas dúvidas. Não abordei nenhum texto que fala acerca do papel da mulher dentro da Igreja. Não falei sobre a ordem no culto, nem sobre o exercício da feminilidade bíblica na prática, nem sobre o que então, posso ou não posso fazer dentro da minha família, no meu serviço, na minha faculdade. Aliás, posso ter um serviço e ir para a faculdade?

Muitas e muitas dúvidas permanecem e desejo ir abordando-as à medida que elas forem surgindo e sendo lidadas biblicamente. Sou mulher. Compartilho de suas dúvidas com a pessoalidade que elas lhe atingem. Mas a palavra do Senhor tem todas as respostas que precisamos. Mesmo com tantos rótulos. Mesmo no século XXI. O Senhor sabe exatamente quem somos e quem nascemos para ser.


[1] Quando o texto diz que “não é bom que o homem esteja só”, no mesmo trecho (Gen. 2:18), entendo isto como parte do chamado já explicitado em Gênesis 1:26-30. Não penso que Deus criou a mulher para suprir uma carência do homem, pois acredito que isso pode levar a implicações equivocadas a respeito do relacionamento a dois, da solteirice e da questão da própria feminilidade em si.

[2] Ainda assim, não se pode, nem se deve desvincular a relação que o chamado feminino tem com relação ao sexo oposto. Homem e mulher foram feitos como seres relacionais e a mulher é chamada para exercer seu papel de “ezer” pela primeira vez num relacionamento conjugal, sendo a primeira auxiliadora do primeiro homem na terra.

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