Responsabilidade e privilégio. Não são raras as vezes que me pego olhando para a realidade em que vivo e desejo que tudo fosse mais simples. Ou que tudo voltasse a ser tão simples quanto era antes. Às vezes, olho para trás, para o tempo em que eu era criança e me bate uma nostalgia de um tempo em que eu tinha menos responsabilidades e desfrutava de mais privilégios. E é assim que pensamos: responsabilidade é inversamente proporcional à privilégios. Se nossas responsabilidades aumentam, nossos privilégios diminuem.
Entretanto, fazendo coisas cotidianas nesta bela manhã fria de quinta-feira, paro para pensar acerca daquilo à que tenho sido incumbida. Certamente, tenho muitas mais responsabilidades agora do que eu tinha quando era criança. Também, tenho algumas responsabilidades que eu não teria se ainda estivesse morando na casa dos meus pais ao invés de estar na casa dos meus avós. Será que esta sensação nostálgica de um saudosismo profundo da infância tem realmente razão de ser? E então parei para pensar: as responsabilidades que tenho agora são, na verdade, uma outra face do privilégio de crescer. Ter responsabilidades na casa dos meus avós é uma outra face do privilégio de morar com eles.
Diferentemente do que aprendemos ou pensamos, responsabilidades e privilégios não trabalham num contínuo ou numa equação inversamente proporcional entre si. Muitas vezes pensamos que o privilégio vem como consequência de uma responsabilidade bem cumprida. Acredito que aprendemos parte disto na escola: quando cumprimos bem com nossas responsabilidades escolares, ganhamos o privilégio de ter um 10 em nosso boletim. Por este exemplo e coisas semelhantes a esta que acontecem em nossa vida, passamos a pensar em responsabilidade e privilégio como um contínuo. Se eu cumprir bem minhas responsabilidades, serei privilegiado de alguma forma. Qual não é, portanto, a nossa frustração na vida adulta, quando, mesmo cumprindo bem nossas responsabilidades, não alcançamos privilégio algum? Aos poucos, as pessoas param de nos dar 10 por obrigações escolares bem feitas; ninguém elogia ou agradece quando você limpa a casa ou lava a louça; ninguém[1] vê você ajudando a velhinha a atravessar a rua.
Somos confrontados, portanto, na vida adulta, de que cumprir nossas responsabilidades ou fazer coisas boas não nos acarretará em privilégios. Passamos, então, a entender que cumprimos nossas responsabilidades porque elas são exatamente isso: responsabilidades. E, a partir daí, passamos a ver a relação de responsabilidade/privilégio como uma equação inversamente proporcional: quanto mais responsabilidades temos, de menos privilégios gozamos.
Nesta manhã fria de quinta-feira, sou obrigada a discordar. Meditando na Palavra do Senhor, eu tendo a pensar cada vez mais que responsabilidade e privilégio são duas faces de uma mesma moeda. Quando Deus nos chama para servi-Lo, atuando em algum ministério, nos dá a responsabilidade do serviço, ao mesmo tempo que Ele nos dá o privilégio de O vermos agir. Quando Deus nos coloca na vida de um descrente, Ele nos dá a responsabilidade de pregarmos o evangelho e o privilégio de falar do grande e glorioso sacrifício de Cristo; Ele pode até, inclusive, nos conceder o privilégio de vê-Lo transformando uma vida. E Quando nos comprometemos a orar por alguém, temos a responsabilidade de orarmos fielmente, conforme empenhamos a nossa palavra e, ao mesmo tempo, temos o privilégio de estar em contato com Deus, intercedendo pela vida de uma pessoa querida. A responsabilidade é o privilégio.
Deixe-me falar isto mais uma vez: a responsabilidade é o privilégio.
Nossa responsabilidade e privilégio
Quando encaramos desta forma, acredito que a vida adulta (cheia de responsabilidades e com poucos privilégios), se torna mais leve. Se podemos encarar cada responsabilidade como um privilégio daquilo que Deus quer de nós, podemos começar a ter um coração mais grato pelas muitas atividades do nosso dia a dia, ao invés de murmurarmos contra o Senhor por aquilo que não gostamos de fazer. Entender a responsabilidade como um presente do Senhor para que O sirvamos deve nos levar a agradecê-Lo pelo fato de Ele querer nos usar em seu serviço e a favor de pessoas que Ele ama e deseja santificar (seja por meio da salvação, seja por meio da santificação).
A minha manhã fria de quinta-feira quase termina à medida que a hora do almoço se aproxima. Isto significa que tenho responsabilidades para cumprir: devo ajudar a minha avó a terminar o almoço, devo preparar minhas coisas para ir dar aulas, devo dar as minhas aulas o melhor que puder. E devo fazer cada uma destas coisas como sendo feita ao Senhor (Efésios 6:7, 1 Coríntios 10:31). São responsabilidades que me foram dadas pelo Senhor. Assim sendo, foram privilégios concedidos por Ele também.
[1] Quando digo que isto é algo que “ninguém vê”, falo da perspectiva humana. É muito claro para mim que a Palavra de Deus reafirma a presença e consciência constante de Deus sobre a nossa vida. A Bíblia nos diz que Deus nos premiará pelas nossas boas ações (Efésios 6:7-8). Ainda assim, opto por colocar desta forma, pois sei que temos em nós o desejo por um “parabéns” humano ou por um tapinha nas costas quando fazemos algo bom e/ou bem feito.