Texto base: Jeremias 45
1 No quarto ano do reinado de Jeoaquim, filho de Josias, rei de Judá, depois que Baruque, filho de Nerias, escreveu num rolo as palavras ditadas por Jeremias, este lhe disse: 2 “Assim diz o Senhor, o Deus de Israel, a você, Baruque: 3 Você disse, ‘Ai de mim! O Senhor acrescentou tristeza ao meu sofrimento. Estou exausto de tanto gemer, e não encontro descanso’. 4 Mas o Senhor manda-me dizer-lhe: ‘Assim diz o Senhor: Destruirei o que edifiquei e arrancarei o que plantei em toda esta terra. 5 E então? Você deveria buscar coisas especiais para você? Não as busque; pois trarei desgraça sobre toda a humanidade’, diz o Senhor, ‘mas eu o deixarei escapar com vida onde quer que você vá’ “.
Provavelmente você nunca ouviu falar no Coelhinho Jururu. Mas na minha infância eu adorava ler sua história. Jururu era um coelhinho triste, que sempre andava cabisbaixo, triste com a vida porque tudo era ruim… Como o coelho Jururu, as vezes temos momentos na nossa vida de profundo desânimo e tristeza em decorrência de situações desafiadoras da vida. A verdade é que num mundo em decadência espiritual, a dor é inevitável. Calamidades, caos e tragédia fazem parte do ecossistema desse mundo caído. E muitas dessas coisas nos afetam.
E até os filhos de Deus podem passar por momentos de crise, como foi com Baruque, companheiro e escritor das profecias de Jeremias (v. Jr 36.27-32), e que por isso, participava dos sofrimentos do profeta (cf. Jr 43.3), pois o tempo em que vivia era calamitoso. Judá estava obstinada e Deus os castigaria através do rei da Babilônia, levando-os para o exílio. Na verdade, segundo estudiosos, o caso da crise de Baruque no Cap. 45 aconteceu em 605 a.C., poucos anos antes da queda de Jerusalém, em 586 a.C.
Assim, Baruque estava diante da péssima realidade do seu povo, e sabia o que haveria de vir, pois escrevera as profecias de Jeremias. Além disso, Baruque pertencia à nobreza, e seu irmão Seraías era camareiro-mor de Zedequias (Jr 32.12, cp. c. Jr 51.19). Tudo isso pode ter sido combustível para sua crise. A decadência de sua nação, a perseguição e hostilidade que sofria, os riscos que passava com Jeremias, e o fato de seu irmão estar com a nobreza, situação melhor que a dele e que ele poderia estar.
Mas Deus intervém nessa crise e trata o coração de Baruque, mudando a perspectiva dele. Com essa intervenção de Deus, podemos aprender lições fundamentais para nossos momentos de crise:
O problema: Uma perspectiva errada.
Se no verso 3 vemos a angústia de Baruque, no verso 4 e 5 vemos a resposta do Senhor à sua crise: Você disse, ‘ai de mim! O Senhor acrescentou tristeza ao meu sofrimento. Estou exausto de tanto gemer, e não encontro descanso’” [1].
Baruque sabia do juízo divino e as profecias do futuro. Isso era a aparente razão do seu desespero. Mas pela resposta do Senhor, fica claro que no fundo, Baruque em angústia profunda entesourava um conforto mundano dos sofrimentos em que enfrentara.
Ele estava buscando uma maneira de fugir do sofrimento, presente, talvez comparando sua vida com a do seu irmão. Seu coração estava focado em um alívio material ao seu sofrimento. Isso mostra que em última análise, Baruque estava preferindo os prazeres mundanos a servir a Deus em sofrimento. A perspectiva de Baruque então, era de que não valia a pena servir a Deus.
A perspectiva de Baruque era primeiro epicurista e depois, materialista. Primeiro epicurista, pois Baruque estava fugindo do seu sofrimento e buscando conforto, em outra coisa desse mundo, talvez privilégios com seu irmão, de viver na nobreza em todo o (pouco) luxo que Jerusalém ainda tinha [2]. Depois estava sendo materialista pois estava buscando conforto nas coisas desse mundo, apenas focado no que podia ver.
Baruque estava olhando para o seu país, talvez vendo uma situação mais confortável de seu irmão, na corte do rei, e ele ali, com um profeta, sofrendo e sendo hostilizado pelo povo. Em seu coração, estava desejando a “paz e conforto” de seu irmão, buscando o fim dessa hostilização, talvez pensando numa vida tranquila longe disso tudo. Em seu coração estava começando a ser como Israel, e idolatrando o conforto, o bem-estar…. Tal como Israel buscava ter, através da adoração à Rainha dos Céus, uma deusa pagã.
Assim como na mente de Baruque, a mentalidade materialista está presente no mundo atual, quando somos levados a olhar para este mundo material como a finalidade de nossa existência. Mas ao ver este mesmo mundo se desmantelar em caos e tragédias, olhar para ele como um fim em si mesmo traz ainda mais desespero e angústia, assim como Baruque fizera.
O pensamento epicurista, o apreço pelo prazer e fuga da dor encontram-se presente em tempos atuais, com jargões bem conhecidos como: “faça o que te faz feliz!”, ou ainda “Deus quer te ver feliz” … Logo, se o indivíduo foi feito pra ser feliz, sair de um casamento só porque está “difícil”, torna-se plausível. O epicurismo se torna então o fim das virtudes.
Com esses pensamentos muitos cristãos – e talvez você mesmo que está lendo isso – estão idolatrando o conforto, o bem-estar. Assim como Israel buscava nos ídolos pagãos um meio de conforto, por meio da prosperidade.
O problema é que com isso estamos colocando nossas esperanças nesse mundo caído, e não em Deus. Rejeitamos a Deus, aquele para quem fomos feitos e esperamos ter das coisas desse mundo aquilo que apenas Deus pode oferecer. Desejamos o conforto acima de Deus. É adorar a criação acima do criador (v.Rm 1.21-23).
E aí talvez como Baruque e o mundo moderno, você possa estar, sorrateiramente, cedendo ao materialismo e buscando no aqui e agora alguma forma de bem estar, e como o epicurismo, buscando fugir de alguma situação incomoda, alguma crise, alguma dor… A verdade é que constantemente somos bombardeados com esse pensamento. Somos tentados a focar no “aqui e agora”, e no que o mundo tem a oferecer, ao invés de buscar a resposta pras nossas crises em Deus.
Talvez aos poucos, seus olhos tenham abaixado dos céus, e você está olhando o etéreo, o passageiro, assim como Baruque. Por causa de alguma angústia, tem desejado algo desse mundo como solução: um cônjuge, um emprego, um ministério ideal, uma faculdade renomada, uma carteira gorda, o videogame do ano, ou seja o que for. Você está buscando no etéreo o que apenas o eterno pode encontrar.
É essa perspectiva que Deus revela estar no coração de Baruque e que ele procura mudar, com uma exortação e um encorajamento. É nessa exortação e encorajamento que nós podemos mudar nossa perspectiva diante das crises, e vencê-las
A resposta de Deus: uma exortação e um encorajamento.
O conselho quando a situação vem do próprio Senhor, por meio do profeta Jeremias:
“Mas o Senhor manda-me dizer-lhe: ‘Assim diz o Senhor: destruirei o que edifiquei e arrancarei o que plantei em toda esta terra. E então? Você deveria buscar coisas especiais para você? Não as busque, pois trarei desgraça sobre toda a humanidade’, diz o Senhor, ‘mas eu o deixarei escapar com vida por onde quer que você vá’” [3].
Deus lhe salienta que como criador soberano, estaria para destruir a presente ordem. A futilidade do materialismo e do epicurismo está na sua brevidade e fragilidade (v.4,5). O foco da vida do servo de Deus não está no presente momento, mas na Vida eterna em Deus. Está no fato que o seu tesouro é o Deus Vivo e soberano.
Além disso o profeta poderia isentar-se de preocupações quanto aos cuidados da vida, pois Deus o guardaria. Deus o conservaria em paz, e seria sua proteção mesmo em meio ao caos presente em Israel, e a futura desgraça em que Israel estaria por passar. Assim, o servo de Deus pode descansar na paz que excede o entendimento e a circunstância, pois a despeito do momento desta era, as promessas de Deus prevalecem para sempre.
Deus chama Baruque a descansar nEle e no Seu cuidado soberano, através de uma mudança de lente em Baruque. Uma remoção de uma mentalidade materialista e mundana, focada no presente momento, para uma mentalidade que como Paulo diria séculos depois, fixa os olhos naquilo que não se vê (2Co 4.16-18).
O que Baruque precisava era de uma perspectiva da eternidade acerca do sofrimento presente. Precisava entender que os tesouros do mundo são passageiros, e seriam destruídos pelo juízo de Deus, mas o tesouro nos céus, esse sim deveria ser o foco de Baruque, pois o mesmo Deus que destruiu Judá, é o Deus que cuida dos seus filhos:
Deus lhe deu uma palavra de certeza: sua vida seria poupada, de modo que não precisava temer o inimigo. Deus estava provando a Baruque a realidade de uma promessa que seria escrita séculos depois: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6:33) [4].
Baruque recebeu uma repreensão e um encorajamento. A repreensão por sua mentalidade pecaminosa, em resposta à situação em que se encontrara, em que deveria parar de cobiçar algum conforto mundano; e o encorajamento por sua desesperança, consequência emocional das profecias que acabara de escrever (cf. Cap. 36), onde é lembrado do cuidado de Deus sobre a sua vida.
Ele podia e deveria descansar na promessa do cuidado de Deus, assim como Davi havia feito, ao dizer o “Senhor é meu pastor e nada me faltará” (Sl 23.1), deixando implícito, de que, se tudo o que preciso, não me faltará, o que eu não tenho, eu não preciso.
A resposta do Senhor para a crise de Baruque era olhar para o Eterno, e não para o Etéreo. Para olhar com os olhos da fé para o cuidado de Deus, e não se apegar às futilidades desse mundo, pois tudo seria destruído em breve. Até mesmo o alto cargo de seu irmão.
A perspectiva que o Senhor exige de seus filhos é uma perspectiva não voltada para o mundo material, como um fim em si mesmo e que, portanto, toda felicidade está aqui e precisa ser buscada a qualquer custo. Não! Deus, através da história de Baruque exorta seus filhos a deixarem a idolatria do conforto e se apegar, pela fé, no próprio Deus, com a certeza do seu cuidado e de suas eternas promessas.
O que Deus exige de nós, assim como exigia de Baruque, é que olhemos para a crise com a mesma perspectiva que Habacuque, contemporâneo de Baruque, olhava para a crise e o mundo em caos:
Ouvi isso, e o meu íntimo estremeceu, meus lábios tremeram; os meus ossos desfaleceram; minhas pernas vacilavam. Tranquilo esperarei o dia da desgraça que virá sobre o povo que nos ataca. Mesmo não florescendo a figueira, não havendo uvas nas videiras; mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação. O Senhor Soberano é a minha força; ele faz os meus pés como os do cervo; ele me habilita a andar em lugares altos [5].
Habacuque entendera o que Baruque ainda não entendera. Ainda que tudo passe, e tudo seja destruído, Deus jamais abandonaria aqueles que colocam sua esperança nEle. Por isso Habacuque escreveu que o justo viverá pela fé. Pois apenas pela fé, podemos superar as crises, e ver aquilo que é eterno, muito superior ao que é etéreo.
E mesmo em mundo tomado pelo materialismo e epicurismo, cego pelo que é etéreo, podemos superar as crises com a fé. Pela fé, Habacuque não foi seduzido pelo caos presente adotou a perspectiva do Eterno. Baruque foi encorajado a pela fé abandonar a perspectiva do etéreo, e confiar nas promessas de Deus. Pela fé, você e eu podemos encontrar em Cristo a esperança de vida além deste mundo, a esperança de que se Deus providenciou tudo para que tenhamos a vida eterna, ele também providenciará o que precisamos para vivermos aqui.
Podemos superar as crises olhando para Cristo, pois somente em Cristo podemos encontrar uma esperança e sermos libertos da cegueira de viver para o etéreo; pois somente em Cristo temos a esperança além desse mundo e a certeza do cuidado de Deus, que jamais abandona seus filhos; e porque Cristo é o exemplo de sofrimento, e todos que se aproximam de Deus poderão achar em Cristo o consolo e o exemplo de como suportar o sofrimento. A perspectiva do Eterno está em Cristo, que cuida de nossas almas.
Conclusão.
No final da história do coelhinho Jururu, descobri que seu nome verdadeiro era Felício, mas que por causa da sua perspectiva desesperada, ele ganha o apelido de jururu. Somente quando mudou a perspectiva ele encontrou a felicidade. Porém a perspectiva correta está no Senhor Jesus, que tira a escama de nossos olhos e nos permite ver a futilidade desse mundo a glória eterna que aguarda os eleitos de Deus.
Baruque, como talvez você, foi seduzido em seu coração a buscar conforto nas coisas desse mundo, que são etéreas e logo serão destruídas, pois concluíra que o sofrimento por seguir a Deus não valia a pena. Mas foi encorajado pelo próprio Deus a abandonar o seu pecado e olhar para cima, para Deus, pela fé, e descansar no cuidado de Deus.
A respeito dessas coisas afirma Dyer:
“A reação que Deus esperava da parte de Baruque era a mesma que Ele esperava do contemporâneo dele, Habacuque (ver Hab. 3.16-19). A esperança de uma pessoa piedosa, em meio a um julgamento nacional, era continuar firmemente fixado em Deus” (Charles H. Dyer, in loc.).
Esse é também o convite a todo o vocacionado por Deus, que a despeito das coisas visíveis, deve focar-se nas promessas “invisíveis” de Deus, e obedecê-lo fielmente, como diz o autor de Hebreus 12.1-3
Baruque foi desafiado a vencer seu medo e seu coração pecaminoso olhando com fé nas promessas de Deus. Do mesmo modo, pela fé em Cristo podemos ter uma esperança e fortalecimento inabaláveis para suportarmos esse mundo com alegria, sabendo que Deus cuida de seus filhos em Cristo e que há uma eternidade de gozo indizível aguardando o cristão (cf. Rm 8.29-39).
[1] Jeremias 45.4,5
[2] Os epicureus criam que “o prazer é a única finalidade concebível e perfeitamente legítima da vida e da atividade. Portanto, eles rejeitavam totalmente qualquer tipo de sofrimento para alcançar a paz da mente. Eles pregavam que o prazer era o bem supremo, e a dor, o mal supremo” (MONTEIRO, 2018; pg. 61).
[3] Jeremias 45.4,5
[4] WIERSBE, Warren B. “Comentário Bíblico Expositivo, Vol. IV – Proféticos”. Pág.172
[5] Hb 3.16-19.