“E do modo porque Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que n’Ele crê tenha a vida eterna” (João 3.14,15).
No diálogo entre o Senhor Jesus e Nicodemos (Jo 3) é mencionada uma figura que parece meio “solta”, uma tal serpente levantada no deserto – referência à serpente de bronze que aparece pela primeira vez em Números 21.8,9.
Muitas pessoas costumam passar batido por esse detalhe, outras olham com bastante estranheza, afinal, “serpentes não costumam simbolizar boa coisa” e, tratando-se de Bíblia então… a serpente comumente é associada à figura do diabo. Naturalmente, uma pergunta inquietante precisa ser feita: “que raios o Senhor Jesus tem a ver com uma imagem de serpente de bronze”? Será que Jesus estava Se referindo apenas ao fato da serpente ter sido levantada e comparando isso com o fato d’Ele também ser levantado em Sua crucificação, ou será que existe algum significado mais profundo nisso?
Disciplina e misericórdia
Olhando para Nm 21.4-9, encontramos a segunda geração do povo de Israel durante a peregrinação no deserto em direção à Terra Prometida, liderados ainda por Moisés, mas 40 anos após o êxodo. Deus estava preparando o povo para confiar e depender inteiramente d’Ele; era necessário que o coração do povo aprendesse muitas lições e, assim, fosse transformado a fim de que cada um estivesse apto a possuir a terra.
O povo estava seguindo em linha reta para o norte, que era o caminho mais rápido. Eles deveriam passar pelo território de Edom, contudo, os edomitas não permitem passagem (Nm 20.18-21) e o próprio Senhor Deus ordena que os israelitas não comprem briga com eles (Dt 2.4,5).
Então entramos no episódio em questão: Moisés conduz o povo a dar a volta pelo sudeste, contornando a terra de Edom, passando pelo caminho do Mar Vermelho. Uma provação e tanto, com certeza! Como se não bastassem 40 anos circulando no deserto, ainda mais esse desvio! Apesar disso, ainda seria uma ótima oportunidade para se lembrarem dos milagres ali ocorridos que demonstraram o grande poder, a soberania e a fidelidade do Senhor!
Ao contrário do esperado, o que acontece é que o povo fica impaciente e, com a impaciência, começa a murmurar forte contra Deus e Moisés (v. 5), revelando um coração extremamente incrédulo, rebelde e ingrato (não era apenas uma questão de terem dúvidas, mas eles realmente não creram na providência de Deus – observe a fala absurdamente afrontosa “Por que nos fizeste subir do Egito, para que morramos neste deserto, onde não há pão nem água? E a nossa alma tem fastio deste pão vil”). Não é nenhum exagero espiritualizado dizer que o recado do povo não era bem sobre o maná, mas, na verdade, era um recado sobre sua insatisfação para com Deus; estavam rejeitando a Deus.
Então, como resposta justa e santa ao pecado (cf. Rm 6.23), Deus enviou serpentes venenosas para o meio do povo e muitos morreram (v. 6). Ironicamente, o povo tinha se queixado da condução de Deus, dizendo que Deus os estava levando para a morte no deserto (v.5) enquanto era justamente o contrário, na verdade, Deus estava garantindo a vida deles e quem estava os levando para a morte era seu próprio coração duro e pecador. O pecado no nosso coração sempre faz isso, tenta nos colocar como vítimas de Deus, projetando sobre Ele as consequências da nossa própria maldade e injustiça.
A dura disciplina de Deus fez com que o povo admitisse o pecado (v. 7). É interessante que os israelitas pedem que Moisés interceda e peça a Deus que retire as serpentes do castigo, mas Deus não atende ao pedido, pelo menos, não do jeito que eles esperavam. Mas por quê?
Apesar de terem confessado o pecado, não parece que eles fizeram por arrependimento genuíno, senão por mera conveniência; eles queriam se livrar das consequências do pecado, mas não se atentaram para o dano moral causado pelo pecado, nem para a gravíssima ofensa contra a santidade de Deus – eles sequer pedem perdão, nem realizam qualquer sacrifício! Eles pensavam como egoístas, voltados para si mesmos. Só um coração transformado pelo Espírito Santo é capaz de compreender essa realidade espiritual (I Co 2.14).
Nosso olhar para com a cruz
Mas Deus, sendo rico em misericórdia e fidelidade, não Se esqueceu de Sua aliança com o povo e promoveu salvação sem abrir mão da Sua santidade: deu ordem para que Moisés fizesse uma imagem de serpente e a colocasse sobre uma haste (v. 8) e todo aquele que fosse mordido por serpente venenosa e olhasse para a serpente seria curado – é isso mesmo, Deus mandou Moisés fabricar uma imagem (não era a primeira vez que Deus tinha feito isso, cf. Ex 25.18-22). A imagem não servia para ser adorada (cf. II Rs 18.4), mas era como símbolo de algo que apontava para o próprio Deus. Assim, quando alguém era mordido, devia olhar para a serpente de bronze e enxergar ali a morte como consequência do veneno destilado por seu pecado contra Deus e, ao mesmo tempo, exercer um ato de fé na misericordiosa salvação provida por Deus.
Aí que entramos em João 3.16: de fato, a serpente de bronze era um símbolo da feiura do coração humano, símbolo de maldição; do mesmo modo, a Cruz de Cristo é um símbolo de maldição (cf. Gl 3.13) e ambas também evidenciam a maravilhosa salvação provida pela graça de Deus! Basta reconhecermos na Cruz, a punição que Jesus Cristo recebeu pelos nossos pecados, tomando sobre Si mesmo o veneno da nossa morte e oferecendo Seu próprio sangue como pagamento da nossa dívida espiritual (cf. Mt 26.28; Ef 1.7; Hb 9.22).
“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que n’Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16).
A cruz escancara o pecado e a morte espiritual de todo homem, mas aponta para Cristo, o Salvador, Aquele que morreu para nos dar vida – mas não qualquer vida! Uma vida pura, limpa, uma vida completa e satisfeita em Deus. Você já olhou para a Cruz dessa maneira? A esperança da Cruz também exige um ato de fé: de reconhecer e se arrepender dos próprios pecados e se aproximar de Deus, como quem necessita do Seu perdão através de Jesus Cristo. Você crê n’Ele?